Os primeiros detectores do projeto registraram um evento excepcional, compatível com um neutrino de energia estimada em cerca de 220 peta-elétron-volts (PeV), ou 220 × 10¹⁵ elétron-volts. Essa descoberta surpreende a comunidade científica, já que não se imaginava a existência de neutrinos com níveis energéticos tão elevados. A origem desses neutrinos ultraenergéticos no Universo ainda permanece um mistério.
“O evento identificado corresponde a um único múon atravessando todo o detector, gerando sinais em mais de um terço dos sensores ativos. A inclinação de sua trajetória, somada à sua imensa energia, fornece fortes indícios de que esse múon foi gerado por um neutrino cósmico interagindo nas proximidades do detector”, explicou Paschal Coyle, membro da colaboração responsável pela construção do observatório KM3NeT.
A principal hipótese é que esse “super-hiper-neutrino” esteja ligado ao chamado “universo de alta energia”, um domínio que abrange eventos astrofísicos extremos, como buracos negros supermassivos em processo de acreção, explosões de supernovas e surtos de raios gama – fenômenos ainda não totalmente compreendidos.
Esses ambientes extremos funcionam como aceleradores naturais, produzindo fluxos de partículas conhecidas como raios cósmicos. Alguns desses raios cósmicos podem interagir com a matéria ou com fótons ao redor de suas fontes, gerando neutrinos e fótons. Durante sua jornada pelo espaço, os raios cósmicos mais energéticos podem colidir com fótons da radiação cósmica de fundo em micro-ondas, dando origem aos chamados neutrinos cosmogênicos de altíssima energia. Até agora, essa teoria ainda carecia de evidências concretas.
“O KM3NeT está explorando um novo intervalo de energia e sensibilidade, onde os neutrinos detectados podem ser associados a fenômenos astrofísicos extremos. A identificação desse primeiro neutrino com centenas de PeV marca o início de uma nova era na astronomia de neutrinos, abrindo uma janela inédita para o estudo do Universo”, destacou Coyle.
O desafio da detecção de neutrinos
Embora os neutrinos sejam a segunda partícula mais abundante do Universo, ficando atrás apenas dos fótons, sua interação extremamente fraca com a matéria torna sua detecção um desafio. Isso exige equipamentos gigantescos e paciência para capturar eventos raros.
O telescópio de neutrinos KM3NeT, ainda em desenvolvimento, consiste em uma vasta infraestrutura subaquática dividida em dois detectores: ARCA e ORCA. Quando estiver completamente operacional, o KM3NeT ocupará um volume superior a um quilômetro cúbico – referência que dá nome ao projeto (Telescópio de Neutrinos de Quilômetro Cúbico).
O funcionamento do observatório se baseia na utilização da água do mar como meio para a interação dos neutrinos. Seus sofisticados módulos ópticos detectam a luz Cherenkov, um brilho azulado gerado quando partículas ultrarrelativísticas resultantes dessas interações se propagam pela água.
Estrutura e localização do KM3NeT
O detector KM3NeT/ARCA (Pesquisa de Astropartículas com Cósmicos no Abissal) foi projetado para investigar neutrinos de altíssima energia e suas fontes cósmicas. Ele está instalado a uma profundidade de 3.450 metros, cerca de 80 km ao largo de Portopalo di Capo Passero, na Itália. Suas unidades de detecção (UDs), com 700 metros de altura, são fixadas no fundo do mar e distribuídas a aproximadamente 100 metros de distância umas das outras. Cada UD possui 18 módulos ópticos digitais, cada um equipado com 31 fotomultiplicadores. Quando concluído, o ARCA contará com 230 dessas unidades.

[Imagem: KM3NeT]
Já o KM3NeT/ORCA (Pesquisa de Oscilações com Cósmicos no Abissal) tem como principal objetivo estudar as propriedades fundamentais dos neutrinos. Ele está localizado a 2.450 metros de profundidade, cerca de 40 km ao largo de Toulon, na França. Esse detector será composto por 115 UDs, cada uma com 200 metros de altura e espaçadas por 20 metros.
A detecção desse neutrino de energia sem precedentes pode ser um passo crucial para desvendar os mistérios dos processos cósmicos mais extremos, trazendo novas perspectivas para a astrofísica de partículas e a compreensão do Universo em sua forma mais energética.
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