Embora não emitisse luz ou calor visíveis, possuía a capacidade de destruir ou transformar radicalmente o espaço ao seu redor.
Conhecido como o “Núcleo do Demônio”, esse bloco de metal cinza foi responsável por dois trágicos acidentes que tiraram a vida de físicos brilhantes, destacando os riscos da manipulação de materiais nucleares. Mas o que tornava esse objeto tão especial — e tão perigoso?
No início da década de 40, o mundo vivia uma revolução científica que alteraria o curso da história. Durante a Segunda Guerra Mundial, o renomado Projeto Manhattan reuniu cientistas de diversas partes do mundo com o objetivo de desenvolver a bomba atômica, uma arma baseada na fissão nuclear para liberar vastas quantidades de energia. Elementos como urânio-235 e plutônio-239 foram cruciais para esses dispositivos.
Esse último elemento, o protagonista desta história, é um isótopo altamente radioativo que pode sofrer fissão nuclear em cadeia, liberando energia ao dividir seus átomos em partes menores. O estado crítico ocorre quando o material é compactado ou configurado de maneira a permitir que nêutrons emitidos pela fissão causem reações em cadeia descontroladas.
“Esse princípio é o mesmo que alimenta as bombas atômicas, mas, em um laboratório, até pequenas quantidades de material nuclear podem ser fatais quando as reações não são controladas.”
O Núcleo do Demônio foi criado como parte do esforço de guerra, com o objetivo de ser utilizado em uma terceira bomba atômica, após as explosões de Hiroshima e Nagasaki. No entanto, com o fim da Segunda Guerra Mundial, o bloco se tornou um objeto de estudo, destinado a entender melhor os limites físicos dos materiais nucleares.
Pesando cerca de 6,2 quilos, o núcleo era denso e aparentemente inofensivo, mas sua proximidade ao estado crítico significava que, sob certas condições, poderia desencadear reações em cadeia perigosas.
Os físicos que trabalhavam com ele realizavam experimentos conhecidos como “brincadeiras com o rabo do dragão”, tentando determinar o quão perto poderiam chegar de um estado crítico sem ultrapassá-lo.
No entanto, esta não é uma história feliz. Na noite de 21 de agosto de 1945, o físico Harry Daghlian estava sozinho na sala do núcleo, no Laboratório Nacional de Los Alamos, no Novo México. Ele realizava um experimento para medir a massa crítica do núcleo, empilhando blocos de carbeto de tungstênio ao redor do plutônio para refletir nêutrons de volta ao núcleo, aumentando sua reatividade.
Em um momento fatídico, Daghlian acidentalmente deixou cair um dos blocos diretamente sobre o núcleo. Isso fez com que o material atingisse um estado crítico temporário, desencadeando uma liberação súbita de radiação.
Daghlian reagiu rapidamente, removendo o bloco, mas já era tarde demais. Ele recebeu uma dose letal de radiação equivalente a 5,0 Gy (5,0 grays, unidade de radiação absorvida; o índice de letalidade começa por volta de 2,0 Gy).
Nas semanas seguintes, Daghlian apresentou os sintomas clássicos da exposição aguda à radiação: náuseas, queimaduras e falência de órgãos. Ele faleceu 25 dias depois, com apenas 24 anos.
Menos de um ano depois, em 21 de maio de 1946, o físico Louis Slotin também se tornou vítima do Núcleo do Demônio. Slotin, especialista em montagem de bombas nucleares, estava demonstrando um experimento de criticidade para colegas. Usando uma técnica extremamente arriscada, ele manipulava hemisférios de berílio ao redor do núcleo, que serviam como refletores de nêutrons.
Para controlar a proximidade dos refletores, Slotin usava apenas uma chave de fenda, mantendo-os separados por uma pequena abertura. Durante o experimento, a chave escorregou, fechando a abertura e levando o núcleo a um estado supercrítico. Em frações de segundo, uma intensa rajada de radiação foi emitida.
Percebendo o erro, Slotin agiu rapidamente e separou os hemisférios, mas já havia recebido uma dose fatal de radiação, estimada em 10 Gy. Ele sentiu um calor intenso, um sintoma típico de exposição extrema à radiação. Nos dias seguintes, apresentou os mesmos sintomas que Daghlian, como náuseas, vômitos e queimaduras graves. Slotin morreu nove dias depois, aos 35 anos.
A radiação emitida em ambos os casos provocou uma ionização massiva nos corpos dos cientistas, destruindo moléculas, quebrando o DNA e causando a morte celular irreversível, tornando impossível qualquer recuperação.
Após o segundo acidente, o núcleo foi desativado e, mais tarde, utilizado em um teste nuclear durante a Operação Crossroads, em 1946. Esses trágicos eventos levaram à implementação de mudanças importantes nos protocolos de segurança para experimentos nucleares, incluindo a proibição de manipulação manual de materiais radioativos em condições críticas.
O Núcleo do Demônio deixou um legado sombrio, mas também funcionou como um aviso sobre os riscos da energia nuclear quando não é tratada com a devida cautela e respeito. Os acidentes fatais de Daghlian e Slotin foram fundamentais para o desenvolvimento de práticas mais seguras na manipulação de materiais radioativos, diretrizes que continuam a ser aprimoradas até hoje.
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