Uma das grandes questões atemporais da Humanidade é se estamos, de fato, sozinhos no universo. E, ao contrário do que muitos pensam, além de planetas, como o nosso, existe a possibilidade de ela existir também em satélites naturais. Com esse intuito surge a pesquisa teórica de um grupo de cientistas da USP, que não precisaram sair do planeta Terra para estudar a habitabilidade microbiana em Europa, uma das 69 luas de Júpiter.
A lua Europa é considerada por muitos especialistas um lugar fora da Terra com um grande potencial de abrigar vida. Isso porque foi conhecido que, além de gás carbônico, água oxigenada e enxofre, ela contém água e oxigênio, elementos fundamentais para o desenvolvimento de seres vivos.
Em uma mina de ouro em Mponeng, África do Sul, localizada a 2,8 quilômetros de profundidade, foi descoberta a presença da bactéria Candidatus Desulforudis audaxviator. O grupo de pesquisadores se deu conta de que os parâmetros ambientais do local coincidiam aos da lua jupiteriana, fato que foi decisivo para o surgimento da pesquisa, mesmo não havendo ainda conhecimentos detalhados da superfície de Europa.
Assim surgiu o estudo desenvolvido por Thiago Altair Ferreira, graduado em Química pelo Instituto de Química (IQ) e mestrando no programa de Física Biomolecular do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP, Marcio Guilherme Bronzato de Avellar, bacharel em Ciências Moleculares e doutor em Astrofísica pelo Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, Douglas Galante, bacharel em Ciências Moleculares, pós-doutor do IAG e pesquisador do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS/CNPEM), e Fabio Rodrigues, graduado em Ciências Moleculares, pós-doutor e docente pelo IQ.
“Procuramos modelar a habitabilidade da subsuperfície para vários cenários, com grande variação de grandezas que podem interferir na sobrevivência de células bacterianas. A bactéria Candidatus habita um ambiente aquoso em grande profundidade, com alta pressão, total ausência de luz e de oxigênio, tal como esperamos ser a subsuperfície de Europa, onde um oceano da ordem de centenas de quilômetros de profundidade recobre um centro rochoso e é recoberto por uma camada de gelo de dezenas de quilômetros de espessura”, disse Thiago Altair Ferreira ao Jornal da USP.
Além disso, foi prevista a presença de material que sofre decaimento radioativo, tal como urânio-238, tório-232 e potássio-40. Estima-se que tais materiais existam em corpos rochosos em todo o Sistema Solar. É da interação da radiação dessas espécies atômicas com a água do oceano que a bactéria obtém a energia para seu metabolismo. “Foi a primeira vez que se observou um ecossistema que subsiste diretamente com base na energia nuclear”, disse o coordenador do estudo, Douglas Galante, à Agência Fapesp.
A analogia quanto à mina e a lua é justificada pelos fatores físico-químicos. Mas os pesquisadores reconhecem que, pelo fato de ainda serem desconhecidas informações sobre a sua superfície, é difícil confirmar com segurança tal semelhança.
“No caso da região de Witwatersrand, por exemplo, onde se situa a mina de Mponeng, há certa diversidade de condições constatadas por análise geoquímica (tais como temperatura local e pH do meio aquoso) que, a princípio, não apresentaram correlação direta com a profundidade. Não devemos imaginar que toda subsuperfície de Europa é da forma como modelamos, mas sim que podem existir nichos onde a radioatividade pode tornar o ambiente habitável por organismos como a bactéria de nosso estudo”, esclareceu Ferreira.
Perguntado sobre a possibilidade de haver ecossistemas com características tão extremas aqui no Brasil, Thiago Ferreira explica que o subsolo do País não é tão explorado, então não há, por enquanto, nenhum local conhecido com condições próximas às da mina da África. “A região onde se encontrou o organismo Ca. D. audaxviator, a bacia de Witwatersrand, é conhecida por ser a formação geológica mais antiga da Terra, estimam a formação entre 3 a 2,7 bilhões de anos atrás e a exploração subterrânea local é motivada pela mineração de ouro, levando à preparação de minas da ordem de quilômetros de profundidade da superfície. Há ainda muito o que ser explorado no mundo sobre os ambientes de profundidade, inclusive no Brasil”, afirmou .
A Nasa, Agência Espacial Norte-Americana, e a ESA, Agência Espacial Europeia, já possuem planos e estão investindo pesado em expedições para a década de 2020, momento que os cientistas do mundo todo aguardam com ansiedade.
O artigo, assinado pelos quatro pesquisadores, foi publicado em Scientific Reports, periódico do grupo Nature.
Texto retirado na integra de Jornal da USP.
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