Uma física está tentando desvendar alguns dos mistérios das leis fundamentais da natureza a partir do estudo de números matemáticos intrigantes, os chamados octônios.
Em 2014, Cohl Furey, então era estudante de pós-graduação da Universidade de Waterloo, no Canadá, dirigiu seis horas até a Universidade Estadual da Pensilvânia, nos Estados Unidos para conversar com um professor de física, Murat Günaydin.
Furey havia avançado em cima de uma descoberta feita por Günaydin 40 anos antes – um estudo amplamente esquecido que sustentava uma forte suspeita sobre a relação da física fundamental com a matemática pura.
A suspeita, tida por muitos físicos e também por matemáticos ao longo das décadas, mas raramente perseguida, é que a panóplia peculiar de forças e partículas que compõem a realidade, brota logicamente das propriedades dos números de oito dimensões chamados “octônios”.
Mas o que são octônios?
Os números que encontramos em uma linha numérica – como 1, π e -83.777, por exemplo – são conhecidos como “números reais”. Mas eles são apenas o começo de tudo.
Os números reais podem ser emparelhados de uma maneira particular para formar “números complexos”, estudados pela primeira vez na Itália no inicio do século XVI. Os números complexos se comportam como coordenadas em um plano 2D, duas dimensões. As contas de adicionar, subtrair, multiplicar e dividir feitas com eles são como traduzir e girar posições ao redor desse plano.
Números complexos adequadamente emparelhados formam quatérnios, números em 4D, descobertos em 1843 pelo matemático irlandês William Rowan Hamilton. John Graves, amigo de Hamilton, mostrou posteriormente que pares de quatérnios formam octônios: números que definem coordenadas em um espaço 8D abstrato.
Já em 1898, os cientistas provaram que os números reais, complexos, quatérnios e os octônios eram os únicos tipos de números que podiam ser adicionados, subtraídos, multiplicados e divididos. Os três primeiros grupos já possuem suas “álgebras”, que estabeleceram a base para a física do século XX, com números reais aparecendo de forma onipresente, números complexos fornecendo a matemática da mecânica quântica e quatérnios aparecendo subjacentes à teoria da relatividade de Albert Einstein.
E os octônios? Que segredos do universo escondem?
Günaydin e seu orientador Feza Gürsey, encontraram uma ligação surpreendente entre os octônios e a força forte em 1973, durante seu programa de pós-graduação na Universidade de Yale, nos Estados Unidos. Houve uma onda inicial de interesse na descoberta, que não durou muito tempo. Isso porque todos na época estavam intrigados com o Modelo Padrão da física de partículas – o conjunto de equações que descrevem as partículas elementares conhecidas e suas interações via forças forte, fraca e eletromagnética (todas as forças fundamentais, exceto a gravidade).
Em vez de buscar respostas matemáticas aos mistérios do Modelo Padrão, a maioria dos físicos depositaram suas esperanças nos colisores de partículas de alta energia e outros experimentos, como o Grande Colisor de Hádrons, esperando que descobertas adicionais aparecessem “magicamente” das poderosas máquinas para alcançarmos uma descrição mais profunda da realidade.
Já fazem anos que partículas além das previstas no Modelo Padrão não são encontradas. Enquanto isso, a estranha beleza dos octônios continua a atrair ocasionais pesquisadores independentes, como Furey. Ela tentou explicar a Günaydin como havia estendido seu trabalho, mas comunicar com clareza os detalhes acabou se revelando um pouco mais desafiador do que ela havia antecipado.
Günaydin então, continuou estudando esses números por meio de suas profundas conexões com a teoria das cordas, a teoria M e as teorias relacionadas à supergravidade que tentam unificar a gravidade com as outras forças fundamentais. Mas sua pesquisa sempre esteve à margem do campo da física e também da matemática. Ele aconselhou Furey a encontrar outro projeto de pesquisa para seu doutorado, já que os octônios poderiam fechar portas para ela, como fizeram para ele.
Insistência
Furey não conseguiu desistir dessa sua hipótese. Impulsionada por uma profunda intuição, conseguiu um pós-doutorado na Universidade de Cambridge, noReino Unido e, desde então, produziu uma série de resultados ligando os octônios ao Modelo Padrão, descobertas que os especialistas chamam de curiosas, elegantes e inovadoras.
“Ela deu passos significativos para resolver alguns quebra-cabeças físicos realmente profundos”, disse Shadi Tahvildar-Zadeh, físico matemático da Universidade Rutgers, nos Estados Unidos.
Furey ainda precisa construir um modelo octoniônico simples com todas as partículas e forças do Modelo Padrão, e sequer tocou na gravidade. Ela enfatiza que as possibilidades matemáticas são muitas, mas ainda é cedo para dizer de que maneira elas se encaixarão em um padrão unificado, se é que tal padrão realmente será alcançado.
“Ela encontrou alguns elos intrigantes”, disse Michael Duff, teórico das cordas pioneiro e professor do Imperial College London, no Reino Unido. “Certamente [é um assunto que] vale a pena perseguir, na minha opinião. Se será como o Modelo Padrão um dia, é difícil dizer. Se sim, seria revolucionário”.
De acordo com Furey, quando você dobra as dimensões – de uma nos números reais a duas nos complexos, quatro nos quatérnios e oito nos octônios -, a cada passo perde uma propriedade.
Por exemplo: números reais podem ser ordenados do menor para o maior, enquanto no plano complexo não existe tal conceito. Depois, os quatérnios perdem a comutatividade; a × b não é igual a b × a. Isso faz sentido, já que multiplicar números de maior dimensão envolve rotação e, quando você alterna a ordem das rotações em mais de duas dimensões, acaba em um lugar diferente.
Muito mais bizarro, os octônios são não-associativos, o que significa que (a × b) × c não é igual a × (b × c). Embora seja muito fácil imaginar situações não-comutativas – calçar sapatos e depois meias é diferente de calçar meias e depois sapatos – é muito difícil pensar em uma situação não-associativa. Se, em vez de colocar meias e depois sapatos, você coloca as meias dentro dos sapatos, tecnicamente você ainda deve ser capaz de colocar seus pés em ambos e obter o mesmo resultado.
A não-associação afetou os esforços de muitos físicos para explorar octônios, mas sua matemática peculiar sempre foi seu principal atrativo.
Octônios: a peça final?
A natureza, com suas quatro forças, é característica e idiossincrática, assim como o Modelo Padrão. No Modelo Padrão, as partículas elementares são manifestações de três “grupos de simetria” – na verdade, formas de intercambiar subconjuntos de partículas que deixam as equações inalteradas. Esses três grupos de simetria correspondem às forças forte, fraca e eletromagnética. A quarta força fundamental, a gravidade, é descrita separadamente.
Conjuntos de partículas manifestam as simetrias do Modelo Padrão da mesma forma que quatro cantos de um quadrado devem existir para realizar uma simetria de rotações de 90 graus. A questão é: por que esses grupos de simetria em específico? E por que essa representação específica de partículas? A atitude convencional em relação a tais questões tem sido tratar o Modelo Padrão como uma peça de alguma estrutura teórica maior, que seria a completa. Uma tendência competitiva é tentar usar os octônios para explicar a “estranheza”, ou seja, a peculiaridade dessas leis.
Furey começou a perseguir seriamente essa possibilidade na pós-graduação, quando descobriu que os oito graus de liberdade dos octônios poderiam corresponder a uma geração de partículas: um neutrino, um elétron, três quarks up e três quarks down, uma numerologia que já havia levantado sobrancelhas antes. As coincidências proliferaram desde então. “Se este projeto de pesquisa fosse um mistério de assassinato, eu diria que ainda estamos no processo de coletar pistas”, explica Furey ao Wired.
O objetivo final da cientista é encontrar “o tal modelo” que, em retrospecto, inevitavelmente explicaria tudo ao incluir massa, o mecanismo de Higgs, a gravidade e o espaço-tempo.
Ainda estamos longe de tal inacreditável resultado, mas com o Modelo Padrão passando em testes com uma perfeição espantosa e sem novas partículas esclarecedoras se materializando no Grande Colisor de Hádrons, há um crescente sentimento de que talvez seja a hora de voltarmos ao quadro-negro para trabalharmos possibilidades promissoras merecedoras de atenção que podem fechar o ciclo, como o papel dos octônios.
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