No ano de 1956, o físico teórico David Pines [1924-2018] emitiu a previsão de que, em circunstâncias particulares, elétrons dentro de um sólido poderiam manifestar um comportamento intrigante: apesar de sua massa e carga elétrica típicas, eles poderiam combinar-se, originando uma partícula composta desprovida de massa, neutra e não suscetível à interação com a luz.
Esse fenômeno ficou conhecido como “demônio de Pines”, e diversas sugestões surgiram indicando sua possível relação com fenômenos de grande relevância, como a supercondutividade.
Agora, após 67 anos, os físicos finalmente conseguiram efetuar a observação experimental de um demônio de Pines, corroborando sua existência – outras partículas “demônio”, como o famoso demônio de Maxwell, também existem.
“Os demônios foram teoricamente conjecturados há muito tempo, mas os experimentadores nunca os investigaram. Na verdade, nós não estávamos sequer procurando por ele. Contudo, percebemos que nossas ações estavam direcionadas de maneira precisa e, dessa forma, o encontramos,” relatou o professor Peter Abbamonte, da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos.
A equipe estava engajada em um estudo do rutenato de estrôncio (Sr2RuO4), por uma razão intrigante: este metal assemelha-se aos supercondutores de alta temperatura, apesar de não ser, ele próprio, um supercondutor. Com a esperança de desvendar esse enigma, eles conduziram a primeira análise das propriedades eletrônicas do material.
Foi nesse contexto que o demônio de Pines emergiu de sua obscuridade, manifestando-se de maneira inequívoca.

(Foto: Ali A. Husain)
Partícula Demônio
Uma das descobertas mais impactantes na física da matéria condensada é a perda de individualidade dos elétrons em sólidos. Devido a interações elétricas, os elétrons se agrupam em unidades coletivas, incluindo os conhecidos pares de Cooper na supercondutividade. Quando têm energia suficiente, podem formar partículas compostas, chamadas plásmons, com nova carga e massa determinadas pelas interações elétricas do plasma.
Entretanto, o peso dessas partículas normalmente impede a formação de plásmons com as energias disponíveis à temperatura ambiente.
Em 1956, o professor Pines identificou uma exceção a essa regra: em sólidos com elétrons em mais de uma banda de energia, como muitos metais, os plásmons correspondentes podem combinar-se de maneira desfasada, gerando um novo plásmon sem massa e sem carga (neutro). Esse fenômeno notável foi denominado “demônio”.
Por carecerem de massa, os demônios podem se formar em qualquer nível de energia, tornando-se presentes em todas as temperaturas. Essa observação suscitou especulações sobre a influência significativa dos demônios no comportamento de metais multibandas, nos quais os elétrons têm várias trajetórias disponíveis para movimento. Essa complexidade pode levar a diversas propriedades interessantes, como supercondutividade, magnetismo, ondas de densidade de carga e fases topológicas.

(Foto: Ali A. Husain)
Descobrir essa elusiva partícula era uma tarefa inédita, pois a natureza neutra dos demônios impede que deixem marcas nos experimentos de matéria condensada. “A maioria dos experimentos é conduzida com base em luz e avalia propriedades ópticas. No entanto, a neutralidade elétrica dos demônios implica que não interagem com a luz. Foi necessário adotar uma abordagem experimental completamente diferente,” explicou Abbamonte.
De maneira surpreendente, essas condições se concretizaram durante o estudo do rutenato de estrôncio pela equipe.
Abbamonte ressaltou: “Isso destaca a importância de conduzir medições sem preconceitos. Muitas das grandes descobertas não são premeditadas. Explorar novos territórios muitas vezes revela surpresas imprevistas.”
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