Há pelo menos 20 anos estudos têm mostrado que o consumo moderado de álcool pode ter efeito cardioprotetor em grande parte das pessoas, mas ainda não se sabia ao certo por quê.
Dados de uma pesquisa conduzida no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), no Brasil, indicam que essa proteção pode estar relacionada com a ativação de uma enzima mitocondrial chamada ALDH2 (aldeído desidrogenase-2), que ajuda a eliminar do organismo tanto os subprodutos tóxicos gerados pelo metabolismo do álcool como também um tipo de molécula reativa produzido nas células cardíacas quando estas sofrem um dano importante – como o causado pelo infarto, por exemplo.
“Nossos dados sugerem que a exposição moderada ao etanol causa um pequeno estresse nas células do coração, não suficiente para matá-las. Como consequência, ocorre uma reorganização no sinal intracelular e a célula cardíaca acaba criando uma memória bioquímica contra estresse, também chamada de precondicionamento. Quando a célula é submetida a um estresse maior, já sabe como lidar”, disse Julio Cesar Batista Ferreira, professor do Departamento de Anatomia do ICB-USP e coordenador da pesquisa apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP (http://www.bv.fapesp.br/pt/bolsas/146677).
Os cientistas então simulam uma condição clínica conhecida como isquemia e reperfusão interrompendo o fluxo nutritivo para o coração durante 30 minutos. Quando a solução nutritiva volta a correr, o órgão recomeça a bater lentamente e, após uma hora, os pesquisadores conseguem avaliar o tamanho do dano. Em média, nesse modelo, cerca de 50% das células cardíacas morrem caso não seja feito nenhum tipo de intervenção.
“Acreditava-se, antigamente, que o dano principal era consequência do período sem oxigênio. Mas estudos mostraram que, durante a isquemia, as células mudam seu metabolismo e entram em uma espécie de estado dormente. Quando a artéria é desobstruída [reperfusão], o tecido recebe uma enxurrada de sangue com nutrientes e oxigênio e acaba ocorrendo um colapso metabólico nas células”, explicou Ferreira.
O trabalho vem sendo feito em parceria com cientistas da Stanford University, nos Estados Unidos. Resultados recentes, obtidos durante o pós-doutorado de Cintia Bagne Ueta, foram publicados na revista Cardiovascular Research (https://academic.oup.com/cardiovascres/article-abstract/114/7/1006/4944454?redirectedFrom=fulltext).
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