A produção de veículos é um processo industrial complexo, que envolve a articulação de homens, máquinas e dados, para que milhares de equipamentos operem em sintonia em uma mesma planta industrial, para a qual convergem milhares de componentes e distintas matérias- primas. É um processo industrial e logístico que articula a produção própria de itens de alto valor agregado, como carrocerias, motores e transmissões, com o recebimento de milhares de componentes a serem acoplados a este conjunto básico.
O processo industrial começa com o recebimento das bobinas de aço, que são preparadas e enviadas para a área de PRENSAS, onde são estiradas, cortadas e moldadas a frio ou a quente, tomando a forma das várias partes de compõem a carroceria do veículo.
Estas partes estruturais são encaminhadas para a área de FUNILARIA, onde são reunidas com extrema precisão e soldadas, dando origem à carroceria. O conjunto é transferido à PINTURA, onde recebe o tratamento superficial necessário e ganha cor e brilho. Como última etapa, a carroceria é deslocada para a MONTAGEM, onde ganha coração – o motor e a transmissão – e todos os milhares de componentes agregados em sistemas. Dali, o veículo já sai para o mercado.
Todas as quatro áreas são importantes e decisivas para a qualidade final do automóvel, mas vamos nos fixar em duas: FUNILARIA e MONTAGEM.
FUNILARIA
A FUNILARIA tem, entre outras características, a maior concentração de equipamentos de uma planta industrial. Por isto, o esforço de inovação abrangeu duas vertentes estratégicas: o monitoramento da saúde dos equipamentos e a otimização de processos na linha.
FUNILARIA CASE 1: Sistema eMille: gestão de dados eleva capacidade de produção de automóveis
Com o objetivo de reduzir as principais perdas de tempo e ritmo de produção decorrentes por quebras e manutenções não-planejadas de equipamentos, a Stellantis desenvolveu uma solução que, além de monitorar a saúde das milhares de máquinas de seu parque industrial, passou a gerar dados sobre o tempo-ciclo dos robôs que, ao serem analisados, permitiram refinar seu ajuste operacional e elevaram a produção diária de veículos Entre 8% e 16%, dependendo da fábrica em que é aplicado. A inovação tecnológica é em elemento estratégico não apenas para tornar o processo produtivo mais ágil, mais seguro e mais eficiente, mas também como diferencial frente à concorrência.
Na indústria automotiva, a Funilaria é um ponto sensível. O setor abriga a maioria das máquinas do parque industrial. Para evitar paradas e consequentes perdas de produção, a equipe de manutenção precisa fazer o acompanhamento sistemático da saúde dos equipamentos: como as máquinas estão trabalhando, é preciso criar indicadores para identificar sinais que indiquem a possibilidade de falhas e qual o momento certo para realizar a manutenção preventiva, entre outros pontos de observação.
Os supervisórios são sistemas baseados em sensores que capturam as variáveis de processo de uma planta industrial. No caso da Funilaria, os supervisórios captam os dados de tempo-ciclo (tempo que leva para uma operação ser feita em uma das estações) dos robôs nas estações de cada linha de montagem. A análise dos dados foi refinada a partir de 2016, a partir do cruzamento de informações das estações com dados históricos do tempo-ciclo. O sistema, criado no Polo Automotivo Stellantis de Pernambuco e posteriormente difundido a todas as plantas, recebeu o nome de eMille.
A primeira fase do projeto durou quatro meses e consistiu na criação de uma planilha para armazenar os dados coletados a qualquer tempo pelos supervisórios, de modo a criar um histórico de medição do tempo-ciclo de todas as máquinas. O relatório oferecia uma visão macro do desempenho dos equipamentos nas estações, possibilitando ao controlador da linha determinar a necessidade ou não de fazer uma manutenção preventiva. Porém, a solução tinha um problema: a grande massa de dados a ser analisada.
A segunda fase do projeto foi transformar os relatórios gerados pelo Excel em um software, de modo a otimizar a análise dos dados. A equipe de TI decidiu desenvolver o software em casa, partindo do zero, usando a tecnologia de computação em nuvem do Google. Foram necessários seis meses de trabalho para que o software estivesse operacional e integrado à nuvem do Google.
Para facilitar a visualização dos dados capturados foi utilizado o Power BI, da Microsoft, como dashboard. Mas antes de a solução ser adotada em toda a Funilaria, foi necessário treinar os cerca de 200 colaboradores da área. Eles tinham que saber como consumir os dados fornecidos pelo eMille e se familiarizar com os dashboards. O treinamento deu aos colaboradores que interagem com a ferramenta a capacidade de entrar no Power BI, analisar os dados, identificar o problema e buscar uma solução.
Com o controle maior sobre o tempo-ciclo de cada equipamento, a linha de montagem conseguiu diminuir o tempo de produção dos veículos, aumentando sua eficiência. O eMille foi essencial para que se atingisse um incremento de produção entre 8% e 16%, um marco na indústria.
Mas os ganhos principais foram qualitativos. O eMille traz informações de parâmetros únicos, com um nível de detalhe capaz de mostrar tendências de comportamento das máquinas e de seus componentes e de indicar os fatores que podem levar uma máquina a apresentar problemas em um determinado intervalo de tempo. Hoje, o trabalho da Manutenção está muito mais orientado a dados e, portanto, mais assertivo, diminuindo as paradas para manutenções gerais não-programadas.
Esta é uma solução interna e com resultados expressivos já obtidos. Por isto, quando ocorreu a fusão que deu origem à Stellantis, em janeiro de 2021, sua aplicação foi expandida para as plantas de Porto Real (RJ) e Palomar (Argentina). Hoje a solução já está sendo estudada em âmbito global pelos times técnicos e será adaptada para se transformar na ferramenta global de coleta de dados da Stellantis.
A prioridade agora é a automatização da análise dos dados, através da integração de tecnologias como Inteligência Artificial, Machine Learning e Manutenção Preditiva no eMille. O próximo desafio do projeto é potencializar o número de soluções a partir dos dados coletados pela solução e tirar deles insights para melhorias no negócio e no processo produtivo.
Como é escalável, customizável e goza de capacidade de processamento praticamente ilimitada, o software abriu a oportunidade para todo um leque de novos projetos de coletas de dados. Problemas são transformados em dados, e esses dados são analisados buscando a melhoria do processo produtivo.
FUNILARIA CASE 2: Digital Twin, a simulação digital que antecipa soluções
Em uma linha de produção complexa, com milhares de equipamentos com diferentes graus de automação e centenas de operadores, gerir a complexidade é um fator estratégico. Qualquer intervenção em uma linha como esta é um grande desafio, mas é preciso melhorar continuamente a qualidade e resultado dos processos. Como fazer?
Em 2017, foi desenvolvida uma ferramenta que oferece excelentes respostas à pergunta acima. É o DIGITAL TWIN ou o simulador digital que cria um ‘gêmeo’ da fábrica no ambiente digital e permite simular processos. A partir desta ferramenta é possível analisar em detalhes o funcionamento de uma linha existente ou projetada, fazendo ensaios sobre possíveis alterações, como novos equipamentos e melhor layout, e melhorias de desempenho. As primeiras análises neste sentido foram terceirizadas e usaram soluções disponíveis de no mercado devido à falta de know-how interno em ferramentas de simulação. Após a adoção da ferramenta
internamente e capacitação do time interno, a equipe tem hoje autonomia de simular os processos internamente com o próprio pessoal.
Até a criação da ferramenta Digital Twin as interferências em uma linha eram sobretudo empíricas. Operadores e analistas levantavam dados sobre os equipamentos, processos e fluxos, projetando a partir daí as alterações pretendidas. Este era um método que não oferecia uma visão precisa do todo e que poderia gerar soluções que não maximizassem a eficiência.
A simulação dos processos na linha através do Digital Twin trouxe a possibilidade de analisar os processos como realmente acontecem, mas através desta representação digital. É possível analisar em profundidade, compreender cada etapa da ação, compreender as rotas logísticas e projetar alterações e soluções, ensaiando seus efeitos. Esta análise dinâmica e fielmente espelhada no real possibilita planejar projetos com grande precisão e plena visão do todo, abrangendo os equipamentos, processos, fluxos, pessoas e seus movimentos.
Para desenvolver e implementar esta ferramenta, um time de profissionais foi capacitado, de modo a somar competências a um profundo conhecimento do processo. Este time atende hoje todas as plantas da Stellantis, faz simulações em 2D e 3D, analisa os processos, a logística e a integração. É uma ferramenta que permite a melhoria contínua, ao verificar se cada linda de uma determinada planta está atingindo plenamente seus objetivos específicos.
A ferramenta é uma aceleradora de projetos, como o desenvolvimento de um novo veículo ou a reconfiguração de uma linha para melhoria operacional (aumento de performance, redução de complexidade, automatização).
O sistema está em constante evolução. A meta de aprimoramento agora é aumentar a integração com chão de fábrica e integrar à ferramenta sistemas que coletam dados na linha e antecipar a predição sobre o comportamento de componentes, entre outras variáveis.
MONTAGEM
A área de montagem em que são realizados os processos finais de produção dos veículos. É a área da empresa com maior número de operações, tanto automatizadas quanto manuais, uma vez que algumas operações, devido às suas características, não podem ser executadas por robôs.
Por ser a última etapa produtiva, é particularmente importante garantir a conformidade e a qualidade das operações e processos, para assegurar que a entrega ao cliente final proporcione uma experiência de alta qualidade.
MONTAGEM CASE 1: Manufacturing Execution System (MES)
A tecnologia é essencial para assegurar a qualidade na gestão dos fluxos. Por isto, foi desenvolvido o MES – Manufacturing Execution System. Este é, ao mesmo tempo, um conceito e um sistema. É uma inovação tecnológica desenvolvida internamente, que faz a gestão do chão de fábrica. Isto é: coloca ao alcance de sua mão todas as variáveis relevantes no processo de montagem.
A principal característica do sistema é assegurar a conformidade e a rastreabilidade. Em um processo com muitas operações manuais, é preciso ter certeza de que cada tarefa foi realizado da maneira adequada, a fim de que todo o ciclo de tarefas executadas e seu resultado final tem um resultado idêntico ao programado. Trata-se de mensurar e manter registro de cada operação realizada, como, por exemplo, o torque aplicado a cada parafuso manuseado no processo de montagem. Isto assegura a qualidade e segurança do conjunto, como um processo precioso de confiabilidade e rastreabilidade, baseado em uma ferramenta que gera enorme volume de dados, que fica registrado e armazenado.
DATA ANALYTICS CENTER (DAC) – A análise de dados sobre a operação muda o grau e profundidade de conhecimento do próprio negócio. A ação dos gestores transforma-se de reativa em pró-ativa. O Data Analytics Center (DAC) surgiu a partir da própria área, com o objetivo de entendê-la melhor. Primeiro, coletamos os dados. Depois, estruturamos a visualização dos dados, para entendê-los melhor e conseguir extrair deles o máximo de valor. O grande volume de dados levou à criação de dashboards e à capacitação de pessoas da própria área em Ciência de Dados, para tratar os dados coletados e extrair o máximo de informações e insights deles.
A capacitação permitiu montar seis times de trabalho especializados que, a partir de seu conhecimento do funcionamento da área, puderam mudar o patamar de seu nível de análise, através do processamento dos dados. A área de ICT incorporou-se ao esforço, agregando ferramentas e conhecimentos avançados, que permitiram que os times avançassem ainda mais, equacionando problemas cada vez mais complexos. Eis três exemplos de projetos decorrentes desta metodologia:
- Dashboard com informações dos alarmes e quebras para predição de quebra de máquinas com janela de uma semana.
- Dashboard com informações de consumo de eletrodo por máquina para avaliar possibilidade de aumento de vida útil e redução de custo.
- Modelo de Machine Learning que avalia quais veículos podem ser montados avaliando o estoque, evitando paradas nas linhas de montagem por falta de peças.
Este último projeto é particularmente complexo e cruza dados de manufatura, de estoque, de equipamentos e de supply chain. O pressuposto do problema é: não estamos em um mundo ideal em que haja estoques balanceados suficientes para produzir, a qualquer momento, todos os modelos e versões que a planta disponibiliza. Entre as várias versões de um mesmo modelo há enorme diferença de componentes e itens opcionais. Tais estoques amplos significariam alto custo de capital circulante.
No entanto, se o planejamento de produção enxergar com agilidade as disponibilidades de estoques e a demanda de modelos a serem produzidos, pode agir rapidamente para garantir os suprimentos necessários no tempo adequado ao menor custo possível. A ferramenta viabiliza esta visão complexa e torna possível tomar as melhores decisões em menor intervalo de tempo, aumentando a eficiência.
MONTAGEM CASE 2: Startup Awards
O desenvolvimento de soluções pode ser acelerado quando a empresa faz parte de um ecossistema de inovação. A Stellantis tem várias parcerias estratégicas, entre elas com o Fiemg Lab, a incubadora tecnológica de projetos e startups concebia pela Federação das Indústrias no Estado de Minas Gerais (Fiemg). Levamos até lá um desafio: captar dados em tempo real para avaliar as atividades e movimentos realizados em determinada estação de trabalho, de modo a identificar se são compatíveis com o desempenho programado para aquela estação. Já existem no mercado tecnologias que fazem esta avaliação para o desempenho de máquinas, mas não havia soluções prontas para analisar os dados detalhados de operações manuais. Isto foi inovador.
A startup Phygitall desenvolveu ferramentas de telemetria em tempo real, capazes de analisar o que operador faz na linha, analisando dados de ergonomia, qualidade, segurança, posicionamento das peças.
Esta mensuração era realizada anteriormente através de gravação de imagens e análise posterior. O sistema que a Phygitall desenvolveu utiliza um relógio de pulso, que capta e transmite todos os movimentos do operador e de elementos estratégicos com os quais ele interage, usando telemetria e IoT. O relógio capta dados em processo contínuo, permitindo comparar padrões, oscilações e alterações. As conclusões das observações têm permitido detectar e corrigir desvios que podem produzir fadiga ou condições inseguras e, ao mesmo tempo, permite otimizar a execução de operações. Uma estação de trabalho pode ser reformulada a partir dos dados obtidos, se for possível melhorar a ergonomia, a segurança e a qualidade das operações.
O trabalho desenvolvido pela Phygitall teve destaque internacional e levou a empresa a ser uma vencedoras do prêmio “Stellantis Startup Awards”, que reconhece o valor da parceria entre a Stellantis e as melhores startups parceiras em todo o mundo. Outra startup brasileira, a JettaCargo, também foi premiada pelo desenvolvimento de um software que alavanca inteligência artificial para simular o carregamento ideal de carga em caminhões e contêineres, automatizando o planejamento e a composição do transporte terrestre da Stellantis.
O esforço inovador brasileiro foi vencedor em duas das sete categorias globais, em um reconhecimento ao esforço local de pensar e agir de forma inovadora.
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